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domingo, 16 de março de 2008

Estilo Poetinha.


  • "Estilo poetinha: Quando era apresentado à uma mulher logo a pegava, pois esta não resistia: Fulana, este é o poetinha. E o resto Deus os acuda. " J.I.

1ª voz. "- Eu, filho do carbono e do amoníaco, monstro de escuridão e rutilância, sofro desde a epigêneses da infância a influência má dos signos do zodíaco. Profundíssimamente hipocondríaco, sobe-me à boca uma ânsia, análoga à ânsia que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme – este operário das ruínas – que o sangue podre das carnificinas come, e à vida em geral declara guerra, anda a espreitar meus olhos para roê-los. E há de deixar-me apenas aos cabelos, na frialdade inorgânica da terra!"

2ª voz - "A idéia! "

1ª voz - “De onde ela vem? De que matéria bruta vem essa luz que sobre as nebulosas caio de incógnitas criptas misteriosas como as estalactites duma gruta?!... "

voz -“ Vem da psicogenética e alta luta. "

1ª voz - - “Do feixe de moléculas nervosas, que em desintegrações maravilhosas, delibera, e depois quer e executa!”

2ª voz - “Vem do encéfalo absconso que a constringe,...”

1ª voz - “Chega em seguida às cordas do laringe,...

... TÍSICA, TÊNUE, MÍNIMA, raquítica. - Olhar -

Quebra a força centrípeta que a amarrra. Mas, de repente, e quase morta, esbarra no mulambo da língua paralítica.”

- Augusto é realmente bom.

Sua boca com gosto de sangue, sangue da dor de um coração em lágrimas pelas sombras do passado, que logo, o verão não levou.

Ela fitava desta vez com seus “olhos fundos que trazem tanta dor”, o mais puro lírio dos anjos que logo pousava novamente em meus lábios.

- Ponha ferro em seu poema, ou como os mais velhos, antigos chamam: “prego”.

Não seria egoísta, como ela, de fazer apenas uma crônica com tudo aquilo, ou qualquer coisa que seja tão pouco para o turbilhão que agora sinto. Todas essas emoções e sentimentos que me invadem a alma serão passados abençoadamente pela minha velha máquina de escrever. Nem que em uma palavra só, várias vezes citada, a fim do entendimento do que quero dizer, certamente em vão.

Minha alma esta que brota agora na aurora deste calor, antes mendiga dos jardins da desilusão.

- Não acreditas mesmo em poetas?

- Mas é claro, não acredito em românticos. Por mais que em minha alma sensível existam paradoxalmente tantos ditos românticos, não acredito em nada disso. Mas em poema, é claro, eu acredito.

Antes não queria mais falar sobre coisas estúpidas como o amor, fiz um tratado comigo mesmo de falar apenas assuntos pertinentes à elevação da alma. Mas que diabo.

“E me beija com a boca de hortelã, todo dia eu só penso em poder parar. Diz que está muito louca para beijar e sorrir um sorriso pontual...”

- Não fora só dois anos. E tenho essa mania de abrir os olhos. Mas não sempre.

Não queria seqüestrar sua paz verdejante e derradeira, mas por que tens que ser ferida pela noite entre os pesares de ser amada e os odores doces? Clama dentro da madrugada algum corpo, enclausurado pela necessidade de seres amada. Esta mulher no máximo do barro e da carne, entre costelas e constelações, eis que inupta de tuas entranhas a poeira da intermitente ânsia do desejo, das lágrimas que derramaste no sacrifício, na ultima estocada na ilharga fez-se a laguna de teus olhos, o objeto de teu corpo em chama que transcende a compreensão humana.

Mordo-a, sinto seu gosto. Seu cheiro de moça, seu sorriso singelo.

- Acho que o conheci em outra vida.

- Vês como estou atrasado?

Tenho dois prazeres: O de beijar e o de olhar seus olhos.

Tenho a paz agora para um sono tranqüilo e quando partir não quero aqueles olhos vermelhos do pesar, só a lembrança boa do passado, que nunca mais será passado, tendo a dor súbita da paixão. Admiração de algum acontecimento. E que façam da data uma festa de revolta onde possam expressar todos os anseios de luta ganha. Quando eu partir para o destino inesperado das moças fracas e dos rapazes enfermiços e estéreis, não bancarei residência entre seus socavões. Também não dormirei, confesso. Nem me alimentarei, muito menos beberei do mel que jorra pelas calçadas de lantejoulas.

Mas a possibilidade do amor, de um amor volátil, não será agora, indiferente, pois a chuva não usa mais a linguagem dos corações vazios.

- Eu gosto de Bandeira demais.

- Já Drummond é diferente.

- Se tivesse de ficar em uma ilha deserta, levaria Bandeira.

- E morreria com Drummond, depois de umas semanas.

- Se levasse Drummond, acabaria por construir uma cidade. E Augusto dos Anjos?

- Certamente não morreria naturalmente, e sim, me mataria mesmo. – Sua risada é um gosto macio e apaixonado.

- Quintana ficaria tranquilamente!

- Provavelmente riria, todo o tempo, e se acaso um barco passasse perguntando o por quê da graça, certamente nem o veria, só riria.

- Mas com Augusto dos Anjos realmente é um fato que me mataria!

- Já poetinha, ah poetinha...

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Participação no diálogo:

Poemas:

“A chuva”, “Elegia a mulher amada” e “A partida” de José Idernandes.

Augusto dos anjos: “A idéia” e “A psicologia de um vencido”.

Fundo musical:

Chico Buarque.

Foto:

André Coutinho.