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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

“Puscifer – Rev 22:20 (Dry Martini mix)”

O céu continua branco, o frio continua a nos envolver, como se pedisse às pessoas para procurar calor humano, que cientificamente esquenta mais que os cobertores.
Fico com dois cobertores grandes.
Um beijo de bom dia e agora me lembro um abraço de verdade, um sacrifício por alguém, um sorriso talvez um pouco forçado, mas palavras sinceras.
Negava a mim mesma que esperava o tempo passar enquanto respirava outra respiração que me abraçava com seus braços, com seu rosto; e eu disse: “não consigo dormir com as pessoas”. Fui para um cantinho depois de fingir que era uma presa acuada em seus braços. Consegui dormir, o efeito das lembranças foi anulado pela lembrança dos efeitos. Acordo a todo o momento. Terminamos o que começamos e é terno quando me arrumo acariciando sua alma, ouvindo que ali está ótimo, sentindo um espírito repousar em meus braços, como presa acuada, mas sem a parte da respiração tão perto, faço carinho como quem faz em um filho. Penso em palavras doces como quem relembra o amor e caio de novo, depois de beijar-lhe a testa.
Não gosto das janelas juntas, dos prédios colados, dos olhares constantes como se fossem dizer algo que me fará pensar se estou sendo mal educada por não responder aquelas suas perguntas silenciosas. Sinto-me um monstro das suas formas, e sou afinal. Continuar a andar é mais falta de educação ainda, exatamente por que a educação é minha vontade de ser condescendente com seres humanos. É tão óbvio que soa agressivo às vezes. É agressivo preocupar-se descaradamente, ou é estranho hoje em dia.
Não gosto das ruas cheias de Copacabana, daqueles prédios insossos. Gosto de alguns trabalhadores que de fato não são de lá, simpáticos. Os trabalhadores quase sempre são simpáticos, não sei explicar por quê são muito mais que os moradores esnobes. Não é regra, nada é regra, NÃO ME PROCESSE. Enfim, odeio Copacabana e suas ruas insossas e seus prédios vazios.
A praia salva e espero que sempre o faça. As ondas batiam revoltadas, refletindo o céu, confundindo o horizonte, guache azul claro, branco e mais branco, em movimento eu via: era a praia, era o céu, uma redoma de suspiros que ainda não foram para o forno.
O ônibus cheio, a correnteza do mundo e meu olhar fixado nas águas profundas, gélidas, e se caíssemos, não morreria, convivo com o frio, mordo os lábios, escuto o ônibus cochichar, sou um monstro.
Antes de ir a despedida foi fugidia, quis apenas ficar e esperar os ônibus imbecis virem todos ao mesmo tempo, exatamente, pra quem quisesse pegar o que estava atrás dos três parados, perderem a viajem e esperar mais tempo. Não gosto de Copacabana e também não ia sentar no assento infeliz da espera do ônibus, como não sento em lugar algum. Parada em pé, não esbravejo o fogo das entranhas, peço fogo, sou um monstro bom, mas ainda sim um monstro.
Pedem-me que não suma. Eu me peço para sumir, sempre que não posso com todo o visual esdrúxulo da jovialidade, sua carência e confusão sexual, sua decadência humanista e orgulhosa burrice.
Estou com meias três quartos, esperando um ônibus, de preto e branco, sou uma mancha negra do espaço negro que nos mostra suspiros inacabados, sou real. “Amor branco e preto”. – “...Por que será que eu gosto de sofrer, saber que agora eu dei para masoquista...”.
Lembro daqueles olhos grandes me olhando e seu interrogatório sem corpo, aonde, com quem e me sinto mal.
Lembro-me antes da castidade, aquela, vivida fielmente e meu pensamento fora talvez em vão. Não quero lembrar mais de outra coisa que não seja vontade, mas não conseguiria, enfim, sair e viver como o contrário tão absurdo do que acredito.
O amor existe, é pesado, mais pesado que qualquer sacanagem, quem sabe, sabe.
Difícil.

Prossigo com meus pesadelos, mas hoje acabo por ter algo mais brilhante que os pesadelos normais, talvez por me disse: Bons sonhos. Mas não deixei de ter um pesadelo.
Encontrava aquele que é meu “abismo de rosas”, aquele que eu perco todos os sentidos, completamente e não consigo explicar, não consigo analisar nada com ele, e é malvado, é meu inferno, meu paraíso, um poema assim que seria o amor – seria o que eu tenho raiva, o que não admito e admito pra explicar a mim mesma por que meus olhos são o mesmo abismo. São dele, para sempre dele e isso é tão meu que ninguém sabe, é minha parte desnuda, completamente e se eu parar pra analisar a mim mesma com a mesma intensidade cairei naquele abismo onde tudo é negro, não possuo mais nada em mim para ter controle e voltar atrás, todas as vezes que voltei, mostrei sangue e fui estúpida. Hoje me vejo mais madura – amanhã me verei uma antes burra. É justo, como disse aquele que já sofri, e sofri mais pelo mundo e menos por ele: “Muda-se, e espera-se mudar sempre para melhor”.

Enfim, encontrava por acaso aquele que me quebrou os ossos e eu os aparafusei novamente depois de uns anos de estudo literário, estudo espiritual, estudo científico. Todo esse estudo pareceu servir pra algo, rimos juntos e ele parecia apaixonar-se mais ainda, novamente. Ele viu o ouro que usei no cartaz enorme que fiz pra ele, falando do meu amor. Ele viu as fotos que havia pendurado dele, e eu queria até tirar, mas explanava a mim mesma, pois era meu lar, não tinha jeito. Ele perguntou: essa cor, essa. Qual? Essa primária, o ouro, como você a encontrou? –
- Usei para fazer aquele cartaz para você e mesmo rasgado ainda é ouro e está aqui. – Ele abaixa os olhos, eu abaixo o meu olhar já cego, não vejo seu sorriso, não tenho expectativas, esse é meu vago, a falta de sonhar dos momentos mútuos.
Passa o tempo, rimos juntos, minha casa tem uma mesa e duas cadeiras, parece uma praça. Um dia volto nela e ele está lá, havia pegado os restos de ouro e transformado a cadeira em um balanço, preso junto à mesa que também balançava, ele dizia: vamos lá. E fomos, sem sentir que sorria, dei um sorriso verdadeiro.
Bem, resto do sonho meu pai quebrava tudo, eu ficava muito nervosa.

Diário.