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terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Realejo perdido

- Rouault. *

Acordar, sentir uma dor quase literal, aliás, literal. Um frio na barriga só de pensar e sendo assim, não querer pensar em nada. E quando tenta lembrar, acaba perdido em fragmentos, até um borrão negro tomar conta de suas memórias, como se tivessem apagado a luz.
Olhares, conversas sem particular, dores físicas, juventude que não queria estar. Mais que isso... Achar que a vida é bem mais que isso - e como faz o gênero juvenil "virtude transviada", derrama o próprio não ter da própria.
Quando abre os olhos, não têm os outros, não tem paixão nem idade, e lembra sem querer lembrar-se da falta de zelo, da sacanagem, por assim ser e dizer, mas não pensar! O pensamento vem sem palavras, incapaz de descrever-se e não sentir arder a alma se debatendo contra o mundo, dentro do corpo, que afinal, não sabe chorar.
Não tem mais o que tinha, e o que tinha não era o que queria no momento, mas ficou para saber o que havia por dentro.
Queria_s uma cor, uma dor, para acordar. Pois teve, longe demais para voltar. E existem esquinas tortas e não passos tortos aonde poderiam andar.
Em ponte cuja lava arde, queima, quer matar. Não irá procurar o que não sabe amar, não sabe como descobre e descobre quando tanto sabe tampouco pensa em sentir, caindo no valioso conceito, que se quebra e mesmo assim se bebe querendo recordar de esquecer. Se um dia leu, escreveu, torce agora a língua, dentro de si, destruindo tudo e todos, pois desmente até o que não devia, e assim, acaba sem poder reclamar, transbordar.
Só pode deter. Detenha-se até conseguir virar enfim o mar, horizonte. E o que esperar da vida sem esperar? Apenas pesadelos que atormentam, quando dorme e aguenta firme quando fecha os olhos. O que faz quando não aguenta mais um ciclo cheio de maldições, onde vivera a lenda, onde ainda sonha, (mesmo pouco) torna-se este sonho pouco, seu tudo. Um mundo paralelo, verdadeiro. O resto é submundo sujo, distância de si mesmo.

Levante-se daí. Neste mundo de desvalores, o que vale mesmo é a intenção, quando só se pretende escutar o que proclama e reclama a mente, o coração.
Ressoa.



* A obra de Rouault tem sido descrita como “o fauvismo de óculos escuros”.
A cor fauvinista levada à profundidades emocionais e psicológicas, em a prostituta no espelho.
(expressionismofrancês.jpg)

(- Carolina.)